1. CONTEXTUALIZAÇÃO
A eleição ocorrida no final do ano de 2022 trouxe a alteração do grupo partidário que se investirá na função de controle do Governo Federal para os próximos quatro anos, com significativo contraste de gestões.
Esta condição, sob a luz da polarização política dos últimos anos, acena para eventuais alterações sensível dos mais diversos aspectos de funcionamento da sociedade brasileira.
Este cenário, que em dados momentos sugere tempos turbulentos e incertos, tem levado a toda a sorte de questionamento sobre como ficarão as regras do jogo nas mais diversas áreas não apenas da gestão pública, como
também da legislação que cuida de áreas sensíveis da sociedade brasileira, dentre elas – e especificamente relevante para o estudo ora proposto – a das normas que regulamentam as relações de trabalho e matérias econômicas
correlatas.
Compreendendo a necessidade de lançar um contraponto técnico sobre esta específica questão, assim como respondendo à solicitação lançada, apuramos o que julgamos ser elementos de destaque em meio a este cenário das prováveis alterações que poderão ocorrer na legislação com a nova gestão do Governo Federal. Ressalvamos, no entanto, que os apontamentos ora feitos se baseiam em uma análise comparativa de contexto e perfil das legislações apontadas com as promessas e perfis dos governantes que ora assumem a gestão. São, portanto, fruto inteiramente de um juízo de possibilidade subjetiva, não de certeza consumada. É a esta finalidade que serve o presente estudo.
Feitas tais considerações, abordamos o mérito.
A legislação trabalhista no Brasil é complexa, contendo diversas normas e regras que tornam a relação de trabalho engessada; a Justiça do Trabalho, em muitos casos, torna a tarefa de aplicação das legislação mais árduo, pois
apresenta decisões divergentes para o mesmo tema, além de interpretações que se afastam muito da literalidade da Lei.
Com a acessão do novo governo declaradamente voltado à ideologia de esquerda, assim alicerçado em uma maior rigidez das garantias trabalhistas e de um maior regramento das relações de trabalho, propostas voltadas a mudanças na legislação laboral devem naturalmente ocorrer. Porém, a possibilidade de que estas mudanças realmente ocorram dependerá da capacidade de negociação da gestão do Governo Federal junto ao Congresso Nacional, no tradicional arranjo de concessões e favores que ditam o funcionamento do sistema político.
Lembramos também que as eleições trouxeram um Congresso com perfil aparentemente contrário ao do novo governo, mas vale mencionar que no Brasil os partidos e políticos nem sempre mantém, ao longo de sua gestão, a mesma ideologia apresentada nas eleições.
Desta feita, apresentamos alguns temas que foram levantados nos últimos meses sobre as intenções de mudança na legislação trabalhista, assim como julgamentos a serem feitos nos Tribunais com capacidade de promover alterações efetivas na forma de regulação das relações de trabalho.
2. A REFORMA TRABALHISTA DE 2017 SERÁ REVOGADA EM 2023?
Embora o atual Presidente tenha levantado essa hipótese durante a campanha eleitoral, os próprios membros do Governo já descartaram a medida de revogação geral da Reforma aprovada em 2017 pela Lei Federal 13.467/17.
Porém, alguns temas que serão tratados no presente parecer (e que compõem trechos da reforma) podem ter mudanças, conforme posicionamento do Congresso Nacional.
3. JULGAMENTO STF SOBRE RESCISÃO CONTRATUAL SEM JUSTO MOTIVO
A Ação Direta de inconstitucionalidade nº 1.625, que discute a validade do Decreto 2.100/1996 (que cancelou a adesão da Brasil à convenção 158 da OIT) está para ser julgada no STF desde 19/06/1997.
Na prática o processo discute a validade do ato do Presidente da República ao cancelar a adesão do país à Convenção 158 da OIT sem consultar o Congresso Nacional.
A Convenção 158 da OIT prevê a necessidade de fundamentação de toda e qualquer rescisão de contrato de trabalho e, por tal motivo, muitos interpretam a norma como sendo, na prática, uma garantia no emprego.
Nossas considerações:
A princípio a notícia não guarda relação com o novo Governo, mas com uma nova regra interna do STF na qual o pedido de vistas 1 não pode ultrapassar 90 dias. Como é notório neste caso, o processo em questão já está
há (muito) mais de 90 dias no gabinete do Ministro Gilmar Mendes. A norma prevista na Convenção da OIT não nos parece autoaplicável, pois o objetivo não seria permitir apenas demissões por justa causa, mas ter motivação efetiva para as demissões (como situação financeira da empresa, comportamento do empregado, readequação do serviço prestado, etc.). Em suma, aparenta possibilitar que seja feita a demissão imotivada (sem justa causa), apenas sendo vedado que o motivo da iniciativa de demitir seja apócrifo.
A própria Constituição Federal possui previsão semelhante, vedando a demissão arbitrária do trabalhador, o que ainda depende de Lei complementar para regulamentar a questão. Atualmente o mecanismo adotado é o de multa sobre os depósitos do FGTS por dispensa imotivada. Até a presente data inexiste previsão de votação de Lei Complementar para regulamentação.
Quanto à votação em si, temos até o momento três votos pela validade do Decreto, três votos para invalidar e dois votos para análise do Congresso sobre o tema.
As perspectivas expostas pela maioria dos Juristas, nos casos de invalidade do Decreto, apontam pela necessidade de regulamentação por Lei aprovada no Congresso e outras previsões além da justa causa.
4. REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO POR APLICATIVOS
O trabalho por aplicativos como Uber, ifood, 99, etc. é uma realidade no mundo, porém no Brasil não existe uma legislação específica para a nova relação entre trabalhadores e as plataformas.
Muito tem se discutido e na Justiça do Trabalho não encontrou um consenso em seus julgamentos, pois alguns juízes reconhecem o vínculo de emprego e garantem todos os direitos a estes trabalhadores (férias, 13° salário, FGTS, horas extras, aviso prévio, etc.), enquanto que outros juízes reconhecem uma relação comercial sem qualquer proteção tipicamente empregatícia.
Fato é que a relação precisa de regulamentação (seja ela estrita, para regrar, ou liberal, para garantir que a mesma é livre sob o manto da lei), mas tal discussão demanda cuidado para que não se gere um mercado impraticável para esta espécie de atividade empresarial, afastando as plataformas por aplicativos do solo brasileiro.
O novo Governo já sinalizou que a forma clássica de contrato de trabalho não deve ser uma opção, pois os encargos inviabilizariam o negócio.
Porém, uma legislação que garantam a contribuição previdenciária, direitos mínimos e um melhor poder de negociação aos trabalhadores deve ser aprovada.
5. TRABALHO INTERMITENTE
Outro ponto tido como muito importante pelo novo Governo, e que afeta diretamente o setor de turismo, é o trabalho intermitente.
Aprovado com o objetivo de trazer para formalidade o trabalho de “freelancers”/ taxistas, esta modalidade de contratação criada pela reforma trabalhista contrariou o modelo clássico até então concebido pelo direito do trabalho, baseado em uma jornada de trabalho previamente definida, trabalhada ou à disposição do empregador, mediante o pagamento de um salário previamente ajustado.
A possibilidade de liberdade para trabalhadores e empregadores de definirem dias e horários de trabalho apresentou nova perspectiva para quem depende da sazonalidade no negócio.
As informações são que o novo governo pretende restringir esta modalidade a alguns setores da economia e trazer garantias mínimas de dias ou horas mensais que devem ser pagas ao trabalhador independente da prestação do serviço.
Porém, existem alas da base do governo no Congresso que defendem a revogação completa da modalidade, lembrando que a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente foi questionada e está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
De qualquer forma, a manutenção do sistema pode interessar ao governo vez que aumenta as estatísticas de empregos formais, sendo que o tema deve gerar grande debate.
6. MUDANÇAS NOS SINDICATOS
Vislumbram-se também possíveis mudanças em questões de direito coletivo e sindical, no sentido de fortalecer a atuação dos sindicatos.
Lembramos que é de grande interesse ao novo Governo o fortalecimento das entidades sindicais.
6.1. RETORNO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL COMPULSÓRIA
Embora o Governo não tenha emitido comentários sobre o tema, o retorno das contribuições compulsórias aos sindicatos é certamente um tema que deve ser incluído em votação no Congresso e, com o interesse econômico das entidades tanto dos trabalhadores quanto patronais, existe a real possibilidade de retorno das cobranças.
6.2. RETORNO DA NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Para alguns temas que a reforma previu a possibilidade de acordo individual, como exemplo principal o baco de horas, é possível que o projeto do Governo seja retroceder e determinar que a validade demanda de acordo coletivo de trabalho.
6.3. VOLTA DA HOMOLOGAÇÃO DAS RESCISÕES NOS SINDICATOS
A necessidade de homologar as rescisões no sindicato da categoria para trabalhadores com contratos de trabalho com mais de um ano também é matéria que pode ser apresentada no Congresso pelo Governo.
6.4. RETORNO DA ULTRATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVAS
A reforma trabalhista de 2017 determinou que as Convenções Coletivas teriam validade apenas sua data de vigência, sendo que caso não houvesse renovação as regras nela previstas poderiam ser revistas e até suprimidas.
Tal regra se demonstrou favorável aos sindicatos patronais, que na maioria das categorias econômicas teve um fortalecimento na negociação.
A proposta do novo Governo seria a revogação da norma e a previsão que as cláusulas da convenção permaneceriam até nova negociação.
7. FIM DA CARTEIRA DE TRABALHO VERDE E AMARELA
A carteira de trabalho verde amarela era um projeto do antigo governo para
flexibilizar os direitos trabalhistas através de redução de encargos e simplificação de regras, fazendo a contratação mais atraente para aos empresários.
Entre os principais pontos da modalidade estavam os seguintes: liberava o trabalho aos domingos, autorizando que não fosse paga a hora dobrada, desde que houvesse a compensação, abria a possibilidade de haver contratação de
seguro privado para acidentes pessoais, a partir de acordo entre empregado e empregador, alimentação deixaria de ser contada nos encargos trabalhistas, dentre outras desonerações.
No entanto, o atual Ministro do Trabalho, já afirmou que irá revogar esse projeto.
8. CONCLUSÃO
Considerando as informações até o momento divulgadas pela nova gestão, assim como os elementos considerados na fundamentação, indicamos como sendo os elementos acima os mais prováveis de sofrerem alterações no novo
governo, sendo que há a possibilidade também de afetação das mais diversas áreas, não sendo a presente lista exauriente, tão menos garantindo que os elementos indicados serão de fato afetados da forma como descrita.
Permanecemos à disposição para sanar qualquer dúvida que possa surgir.
É o que cumpre elucidar.
Curitiba, 24 de fevereiro de 2023.
CARLOS ZUCOLOTTO JUNIOR
OAB/PR 15.717
LEONARDO REICHMANN M. PINTO
OAB/PR 54.896
THIAGO BRUNO ZENI MARENDA
OAB/PR 67.944